Fortaleza de 1887, da festa do Senhor do Bonfim dos Arronches,
com a chegada dos caboclos, descendentes dos índios Algodões, os quais partiam no último domingo de outubro,
recebendo antes na sua igreja, a coroa de espinhos da grande imagem do
crucificado, para retornarem na tarde do dia 23 de dezembro, dois meses depois,
com as esmolas conseguidas em distantes lugares, até mesmo em Caucaia, a fim de
condignamente celebrarem o tradicional festejo.
a boa e terna padroeira dos Pescadores, com sua capelinha enfeitada de flores,
palmas e luzes, os rapazes da pequenina vila vestindo camisa de flanela de cor
e calça branca engomada, com larga faixa vistosa a cintura e as donzelas com
vestidos novinhos de chita, e voltas e
braceletes de aljôfares.
Fortaleza do carnaval sem malícia, com papangus, dominós e mascarados,
os Maracatus do Outeiro ou do Morro do
Moinho, as laranjinhas de cheiro, a tina d’água que o Boticário Ferreira,
estabelecido ali naquele prédio em que funcionou até bem pouco tempo a Farmácia
Galeno, depois ocupada pelas Lojas Brasileiras, fazia colocar no centro da Praça
que tomou seu nome, para nela mergulhar quem quer que por ali passasse e depois
oferecer lauto banquete à vitima de sua brincadeira.
que por lá ainda não haviam chegado os fios-de-pedra.
lado esquerdo era da família dos Mississipis, com as
janelinhas quadradas do sótão e os famosos “jacarés”
para descida d’água. Foi remodelada por João Sabóia Barbosa
em 1927
principio, para findarem adjudicados ao
prenome dos crismados – as Pedrocas, filhas de um Pedro de tal; as
Itapipocas, por terem vindo daquela localidade; as Mundórias, em vista de seu
pai, professor de latim, viver declinando mundus, mundorum; as Garapas, tias de Gustavo Barroso, porque
muita gente recordava ainda o pseudônimo com que o avô do ilustre escritor
assinava seus artigos políticos – Zé Garapa; as Mississipis, em razão de o pai
ter possuído uma bodega denominada “Ao Mississipi”, aproveitando o intercâmbio
forçado do Sul dos Estados Unidos com o Nordeste brasileiro durante a Guerra da
Secessão; as Palhabotes, em vista do chefe da família ter montado
estabelecimento comercial com o nome de “O Palhabote”…
espumando de raiva quando os moleques cantavam de galo próximo a ele; do Sabão
Mole, merecendo apelido pela amarelidão do rosto, e que só faltava matar alguém
quando lhe perguntavam pela velhinha que antes o acompanhava e depois o
abandonara; do Casaca de Urubu, contínuo
do outrora Tribunal da relação, herdeiro forçado dos fraques dos
desembargadores, sendo assim alvo das brincadeiras da meninada; e outros mais,
todos êmulos da Mimosa, do Lapada, da Siri, do Jararaca, vítimas dos aperreios
decorrentes da despreocupada infância daquele tempo.
em copos de barro em salvas de prata, cujas famílias ostentavam louças com
iniciais e frisos dourados e possuíam oratórios que eram verdadeiros museus
artísticos, com santos de madeira, resplendores de ouro, Nossa Senhora da
Soledade e o infalível Menino Jesus;
dunas errantes e livres como o espírito de sua população, dos passeios calçados
com lajes vindas de Portugal, dos chafarizes públicos, como o da rua hoje
chamada José Avelino, o da Feira Velha, o da Feira Nova, o da Praça dos
Voluntários, o do Outeiro, o da Praça do Patrocínio, do da Misericórdia e o da
Praça de Pelotas.
chamada pedra de Lisboa, que adornavam vários pontos da cidade, inclusive a
Praça do Ferreira.
Fortaleza das cacimbas públicas, hoje desaparecidas, cavadas
ali mesmo, na Praça do Ferreira, Capistrano de Abreu e Voluntários.
fitas estreitas e malhas quadradas, como aquelas da Igrejinha do Rosário e da
Matriz do Carmo, ainda conservadas.
que um deles disfarçado em escritor modernista, não se envergonhou de cantar – o
“cem por cento Cidade-Mulher”; não é sem razão que os poetas te cantam hoje
como te cantavam no passado, em versos de oferendas e do mais puro amor, e os
fiéis seresteiros, mais ou menos aposentados – ainda teimam apesar de todas as ocorrências
– em vagabundear pelas tuas ruas nítidas e vazias, largando a voz no mundo os
acordes de um violão que sobrou, à lua lá em cima com seu brilho adamantino, a
econômica lua com quem uma vez teus administradores fizeram um incrível contrato,
mas tão simples e peremptório , e que só deu certo porque os teus filhos são
mesmo lunáticos.
livro de Mozart Soriano Aderaldo
Abreviada de Fortaleza e crônicas sobre a cidade amada
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Parabéns à sua belíssima iniciativa de resgatar períodos importantes de nossa história através de fotos raras e texto primoroso.