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Com
tantos rapazes servindo em bases do Nordeste durante a 2ª. Guerra Mundial, o
governo americano criou,  para sua
distração os clubes do Uso (United Service Organization). Na capital cearense
os ianques alugaram para esse fim um grande e elegante sobrado na Praia do
Peixe (atual Praia de Iracema), construído pelo pernambucano José Magalhães
Porto em 1926, conhecido como Vila Morena. 

praia+de+iracema1 Quebrando Normas e Padrões Vigentes: As “Coca-Colas” Cearenses

O prédio em questão, depois chamado
de Estoril e passando para as mãos do popular Zé Pequeno, foi por décadas
reduto de intelectuais, boêmios e políticos. Após os exaustivos exercícios
diários nas bases do Pici e do Cocorote, os soldados do Tio Sam iam se divertir
no USO. 

Nas manhãs de Domingo, nas areias defronte ao prédio, jogavam partidas
de rugby e hand-ball, atraindo muitos curiosos, que, no entanto, nunca
mostravam interesse  em adotar tais
práticas desportivas. Na Vila Morena ouvia-se o vinil com as músicas mais
tocadas nos EUA, executavam-se danças de salão, promoviam-se animadas festas e
shows, e recebiam-se artistas famosos dos filmes de Hollywood.

praia+de+iracema3 Quebrando Normas e Padrões Vigentes: As “Coca-Colas” Cearenses

 Visando a
estabelecer um bom relacionamento com a população local, a direção do USO
emitia convites às “boas famílias” de Fortaleza para ali participarem das
promoções. Os jovens americanos provocavam paixões, deixando as mulheres em
alvoroço. E várias delas não desperdiçavam os convites, indo se divertir na
Vila Morena. Algumas chegaram mesmo a namorar e a manter outras intimidades com
os gringos.

O
fato dessas moças consideradas “avançadas” para a época, consumirem junto com
os namorados o refrigerante Coca-Cola, até então só visto por aqui nas telas de
cinema, chamaram a atenção. Alguns rapazes cearenses, despeitados com a
concorrência amorosa, passaram a chamar aquelas meninas de Coca-Colas, no
sentido de serem mulheres vulgares, sem caráter, interesseiras, as quais os
americanos usavam, consumiam e jogavam fora. Correu até uma lista com os nomes
das depravadas, listas que rapidamente circulavam na pequena Fortaleza da primeira metade dos anos 40.

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trajes usuais e tradicionais das mulheres da época

Na
realidade, a sociedade conservadora da época, que aceitava as inovações
técnico-científicas, reagia às mudanças de comportamento. Não perdoava as
jovens – na faixa de 20 anos – liberadas, bem vestidas, com decotes
provocadores, muita maquiagem no rosto, que saíam de casa sozinhas, entravam
abraçadas nos cinemas e sorveterias, circulavam com os namorados, namoravam à
noite na praia, buscavam o prazer no sexo. Em suma, as coca-colas rompiam com
os padrões vigentes de submissão feminina – a mulher frágil, dependente do
homem, virgem, destinada à maternidade e ao espaço doméstico, e cuja reputação
deveria estar acima de qualquer suspeita.

Em
defesa da moral e dos bons costumes, destacou-se a Igreja Católica, que
criticava duramente as mulheres modernas, sujeitas às más influências
estrangeiras. O clero pronunciava-se constantemente nas páginas do O Nordeste,
condenando a leitura de livros imorais, a exibição de filmes eróticos, a
exposição das mulheres na praia em trajes indecoroso, os namoros indecentes,
facilitados pela escuridão de Fortaleza.

praia+de+iracema4 Quebrando Normas e Padrões Vigentes: As “Coca-Colas” Cearenses

As Coca-Colas, porém, eram a concretização explícita dos receios católicos. Não por
acaso, depois que a guerra acabou e os americanos voltaram para seu país, aqueles mulheres tiveram que enfrentar durante anos  forte preconceito, mesmo pertencendo as
camadas altas e médias da sociedade de Fortaleza. Para os mais religiosos elas
estavam condenadas ao fogo eterno do inferno; conservadores chegavam a se
benzer com a aproximação das alegres moças. Mães vendavam os olhos das crianças
para que não olhassem aquelas sirigaitas, e os rapazes sérios não aceitavam de
jeito nenhum casar com elas ou mesmo namorá-las.

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Nem
o espírito moleque cearense perdoou as mulheres; em 1946, um grupo de rapazes
formou um bloco carnavalesco intitulado “Cordão das Coca-Colas”, composto apenas por
homens vestidos de mulheres. No caso era o humor usado para repreender e
debochar das mulheres que contrariaram  o
tradicional machismo cearense. 

extraído do livro de Airton de Farias 
História do Ceará 
fotos do Arquivo Nirez e do Livro Ah, Fortaleza! 

        

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mfgprodema@yahoo.com.br