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Um constante estado de isolamento e pobreza material seria
uma das características principais da evolução histórica do Ceará. No contexto
colonial, a então Capitania do Siará Grande se resumia, até meados dos anos
1700, num pequeno forte desguarnecido, esquecido pelas autoridades de
Lisboa. Somente durante o século XVIII, quase dois séculos e meio depois da
chegada dos portugueses à colônia, é que as primeiras vilas foram criadas. Até esse
período, a vasta região sertaneja tinha sido palco de lutas sangrentas entre o
colonizador branco e o nativo, num processo que culminou com a destruição do
mundo indígena.

Aracati+cruzeiro+da+igreja+matriz O Ceará antes de 1877
Aracati e o cruzeiro da matriz (arquivo Nirez) 
O Ceará ficou atrelado à Capitania de Pernambuco até 1799,
quando então foi considerada capitania autônoma pela corte de Portugal. A
leitura de antigos relatórios revela que essa autonomia não chegou a
representar uma evolução significativa para a maioria da população. É verdade
que algumas medidas chegaram a ser propostas pelos seus governadores, mas foram
ignoradas pelo reino de Portugal.
A evolução econômica do Ceará foi marcada pela realização de
dois ciclos de riqueza, os quais não se excluíam, antes apareciam como
complementares: o do gado e do algodão. A pecuária foi a grande responsável
pela expansão colonizadora pelo sertão e pela conquista avassaladora das antigas
povoações ocupadas pelos indígenas.

colheita+de+algod%C3%A3o O Ceará antes de 1877
 colheita do algodão (foto IBGE)
Até 1780, a grande riqueza da capitania
vinha dos rendimentos das charqueadas, principalmente em vilas como Aracati e
Granja. A cultura do algodão se intensificou no final do século XVIII,
aparecendo como riqueza predominante no século seguinte. Todos esses ciclos de
riqueza econômica só beneficiaram uma pequena minoria composta pelos
proprietários de terras e donos de oficinas de charque. A maioria da população,
para sobreviver, tinha que ficar sujeita a um desses proprietários, servindo
como agregado, vaqueiro, parceiro, ou simples empregado. A população escrava,
por sua vez, era diminuta.

vaqueiro O Ceará antes de 1877

O resultado é que boa parte dos habitantes do sertão
não conseguia ser aproveitada nas atividades econômicas. Esse modelo socioeconômico
excludente tinha sido estimulado pelas autoridades de Lisboa. Para garantir a
colonização de áreas do Novo Mundo, a Coroa delegou aos fidalgos e outros
membros da elite metropolitana a tarefa de conquistar o território. Em troca o
rei distribuiu sesmarias e concedeu títulos e benefícios aos vencedores de
batalhas contra os nativos. Dessa forma, grandes áreas do território cearense
foram entregues a poucos indivíduos que, em pouco tempo, tornaram-0se potentados
rurais, verdadeiros formadores de reinos particulares em regiões distantes do
poder régio.

As camadas rurais, sem posses ou prestígio, ficaram cada vez
mais dependentes da proteção de um senhor. Este, num primeiro momento, agiu
praticamente sem a interferência da administração portuguesa, impondo com vigor
suas leis e normas severas, dominando com mão de ferro a população subjugada. 
No
decorrer do processo inicial de colonização, houve uma inquestionável supremacia
do poder privado sobre o poder público. É verdade que a criação das vilas e o
fortalecimento das instituições reais contribuíram para o enfraquecimento desse
poder, mas mesmo assim, o chefe local continuaria como líder diante de um
grande número de pessoas iletradas, pobres 
e sem perspectiva.

fazenda O Ceará antes de 1877
 Casa de colono no interior do Ceará (foto IBGE)
Oferecendo proteção e abrigo a essas pessoas, e ao mesmo
tempo exigindo fidelidade e lealdade, os senhores da terra reproduziram, nas longínquas
áreas do sertão, o sistema paternalista e clientelista que já os tinha
beneficiado no processo de aquisição de sesmarias, cargos e direitos reais.
A consolidação do modelo paternalista tornava as populações
rurais cearenses meras coadjuvantes no processo histórico. A camada dominante,
por sua vez, pouco se importava com grandes inovações econômicas, ou era avessa
à difusão de ideias revolucionárias, não obstante setores da elite, terem
adotado um discurso de inconformismo e repúdio ao poder centralizado. 
As lutas
que sangraram o território cearense no período da Independência do Brasil e as
que levaram à Confederação do Equador (1824) e à Sedição de Pinto Madeira
(1832) se desenvolveram principalmente no seio das classes consideradas dirigentes
ou foram impulsionadas por elas.

fazenda1 O Ceará antes de 1877
 fazenda no interior do Ceará (foto IBGE)
A Lei de Terras (1850) foi outro fator que contribuiu para
consolidar o poder da minoria proprietária. Os índios, dispersos e misturados,
no meio da população geral, foram definitivamente alijados dos seus direitos. O
acesso à terra passou a ser controlado e forma rígida, evitando a apropriação
pelos pobres, de áreas ainda sem aproveitamento. Ao mesmo tempo, os fazendeiros
passaram a pressionar cada vez os governos provinciais, no sentido de garantir
leis para inibir a vadiagem.
As relações sociais no Ceará do século XIX foram marcadas
assim, por uma situação de intensa desigualdade. De um lado, o proprietário,
senhor absoluto. De outro, o morador, o agregado, o escravo. Na fazenda de
criação, o vaqueiro agia em nome do seu chefe, normalmente seu compadre e
protetor. Nos algodoais, o sistema predominante foi o da parceria, prática
bastante intensa da segunda metade do século.

boiada O Ceará antes de 1877
Os grandes proprietários, naturalmente, também cobravam de
uma forma ou de outra, pelo uso de benfeitorias existentes na terra, como os
açudes, por exemplo. Desenhava-se assim, um quadro no qual ficava clara a
vulnerabilidade da imensa maioria dos sertanejos. Pressionados pelos donos de fazenda,
os agricultores tinham pouco tempo para dedicar-se às suas culturas de
subsistência, chegando em certos momentos a depender diretamente dos mesmos, no
que se refere à alimentação diária. O paternalismo e a rigidez dos latifúndios
sufocavam o agregado, impossibilitando sua independência e a melhoria de sua situação
econômica e a da sua família.
Extraído do
livro de Cicinato Ferreira Neto
A Tragédia
dos Mil Dias: a seca de 1877-79 no Ceará

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