Marciano Lopes, na qual o autor compara a cidade que ele conheceu na década de
1940, com a Fortaleza em outra época – provavelmente meados da década de 1990, ano da publicação da 4a. edição (revisada e ampliada) do livro Royal Briar. Aproveitemos essa viagem no
tempo, iniciada pelo autor, para fazer uma pequena atualização (não tão rica,
nem tão detalhista quanto a de Marciano Lopes), com a cidade atual.
Lopes)
longa e sofrida guerra do progresso e fiquei sofrido com o resultado do rescaldo: do grande cataclisma,
pouco restou. Casas derrubadas, fachadas mutiladas ou adulteradas, palacetes
transformados em terrenos baldios ou estacionamentos. Por quê? A gente se
pergunta. E a resposta só pode ser uma: as pessoas sem cultura sentem vergonha
de tudo o que é antigo, com o que tem ranços de tempo. Certamente, medo pela
alusão à própria idade.
entre o bairro de Jacarecanga e as proximidades da Praça do Colégio Militar e
da Rua Domingos Olímpio e a orla marítima, constatará que não há exagero no que
afirmo.
Quase todo o centro de Fortaleza foi destruído criminosamente. Nesse
retângulo geográfico de nossa cidade tão amada, tudo foi desfigurado,
descaracterizado e contam-se nos dedos das mãos os prédios que sobraram, assim
mesmo com interferências modernosas que ferem a dignidade dos mesmos.
e ocupados por lojas de modas, bancos e agências de turismo, sem a necessidade
de camuflar fachadas. Ao contrário, o rebuscado formado por platibandas,
cornijas e outros relevos, dando dignidade ao estabelecimento comercial.
Aqui
em Fortaleza, caso raro, todas as firmas que ocuparam construções das primeiras
décadas deste século, precisaram esconder as belas fachadas com tapumes infames,
feitos de materiais vagabundos e facilmente perecíveis, fazendo contrastes
berrantes com a beleza dos prédios. Quem quiser, basta ir à Manaus, para aprender
como ali se sabe dar nobreza a uma loja, deixando fachadas antigas no original,
tão diferente daqui. Prova incontestável da incultura da nossa gente.
tristeza, o ocaso do romantismo de nossa outrora encantadora cidade. E faço a
mim mesmo a pergunta: cadê as praças antigamente tão ajardinadas, tão
arborizadas, tão limpas, tão bucólicas? Relembro a Praça do Coração de Jesus,
agora transformada em favela imunda e fétida e sinto vergonha, sinto vontade de
chorar, sinto vontade de ir embora para bem longe, quando recordo na minha juventude,
a placidez do pequeno espelho d’água que emergia do relvado daquela praça tão
linda.
concreto, os fícus-benjamins podados com arte e esmero, os poucos carros
passando sem pressa? Cadê os cafés das esquinas, os bondes barulhentos como a
despertar a cidade da sua eterna modorra?
Fortaleza Hotel, o Internacional Hotel? Cadê a aconchegante Pensão Sobral, de
Dona Mimosa Sá? Só restou o tradicional Excelsior, seriamente
mutilado, com uma decoração duvidosa e o seu outrora afamado terraço com uma
cobertura em estrutura de metal que fere a sua nobreza.
O que aconteceu aos saudosos grupos escolares e as suas
mestras respeitáveis? Cadê o Grupo Escolar José de Alencar, ao lado do Teatro; O Grupo Escolar Rodolfo Teófilo, onde agora
funciona a Faculdade de Economia; o Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, perto
da antiga Estação dos Bondes; o Grupo Escolar Presidente Roosevelt, na Avenida
Bezerra de Menezes; o Grupo Escolar Juvenal Galeno, com seus vitrais na fachada
de influência normanda, na Praça do Liceu; cadê o Grupo Escolar Clóvis Beviláqua,
na esquina das Avenidas Dom Manuel e Santos Dumont?
Morreram os velhos grupos
escolares quando morreu o respeito aos mestres, quando as sábias professoras
desapareceram, quando os “professores” tem a mesma idade dos alunos e passou a
imperar a promiscuidade.
juventude? Cadê o Moderno e os seus castelos emaranhados emoldurando a tela? E o
Majestic, com seus seriados e “geral” tão popular e cheia de folclore? Cadê o
Rex com suas manhãs de domingo e a criançada trocando figurinhas numa alegria,
numa algazarra sem fim? Cadê o centro, ah, Cine Centro de tantas saudades,
talvez um dos elos principais de ligação com a minha infância. Que fizeram com
o Cine Luz, o Ventura, o Nazaré, o Familiar, o Santos Dumont, o Mucuripe, o Joaquim
Távora, o América, o São José, o Excelsior, o Messejana? Só restou o Diogo, sujo, maltratado, maltrapilho de
chinelas japonesas rotas e bermudas encardidas. O Diogo, tão sóbrio de paletó e
sapatos engraxados…
E o que fizeram aos seriados? Para onde migraram os
heróis de todos os que foram adolescentes na década de quarenta? Onde está a
Nioka, o Capitão Marvel, o Super-Homem? Nem o último dos Moicanos restou…
continua….
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