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Com o
crescimento de Fortaleza em fins do século XIX, verificou-se uma preocupação do
poder público e das elites em controlar e disciplinar as camadas populares da
cidade.  Fazia-se necessário racionalizar
Fortaleza e também disciplinar, reprimir, corpos e mentes de seus habitantes,
de modo a ingressarem no mundo da modernidade e do capitalismo que então se
consolidava e lançava a cidade em uma nova era.

Mas o
disciplinamento que se desejava foi severamente abalado durante a tragédia que
marcou a cidade quando da grande seca de 1877-79. A população de Fortaleza à
época era de cerca de 30 mil habitantes. E essa população assistiu horrorizada
a chegada de mais de 100 mil sertanejos, que migraram para a capital em busca
de auxílio. O Jornal O Cearense, noticiava: não há dia no qual as portas das
igrejas e edifícios públicos não estejam atopetadas de mendigos de todas as
idades. Esse espetáculo é depõe contra os nossos costumes, além de ser, a
maior parte das vezes, imoral e repugnante
.

 
retirantes A Seca de 1877-79  em Fortaleza
retirantes concentrados na Praça da Estação em Fortaleza, fins do séc. XIX (foto do livro Os descaminhos  de ferro no Brasil)
 

As contradições
sociais da cidade se acentuaram, incomodando os setores dominantes. A maior
parte daqueles flagelados, famintos e depauperados ficou localizada na
periferia, em casebres de madeira e palha ou em abarracamentos erguidos pelo
governo, ou ainda debaixo das árvores e perambulando pelas ruas da cidade.  A mendicância, a prostituição e os furtos
cresceram. A ameaça à ordem e a propriedade privada levou o governo a aumentar
o policiamento da cidade, devido ao aumento da tensão social.

Ao calor
infernal, à escassez de comida e água e às precárias condições de higiene,
juntavam-se surtos de doenças. A multidão de retirantes acabou devastada por
uma fulminante epidemia de variola, que se alastrou por toda a capital. Segundo
o farmacêutico Rodolfo Teófilo, contemporâneo dos fatos, em apenas dois meses de
1877 morreram 23.378 pessoas, e no ano seguinte, 24.849 foi o total de mortos.

rodolfo A Seca de 1877-79  em Fortaleza
Rodolfo Teófilo no Morro do Moinho, procedendo  vacinação da população (foto do Arquivo Nirez) 

 

Chegou-se em
um só dia a enterrar 1004 pessoas vítimas da doença – era 10 de dezembro de
1878, que ficou conhecido como “o dia dos 1000 mortos”. Cerca de 40 populares
foram contratados para enterrar os corpos, homens humildes, os quais recebiam
quantias insignificantes e se embriagavam com cachaça para aguentar aquele
trabalho. Transportavam os cadáveres amarrados nos pés e mãos a um pau. Era tanta
gente morta que o trabalho entrou pela noite, porém mais de 100 corpos tiveram
que esperar pelo dia seguinte.

Por mais que
médicos, irmãs de caridade e voluntários trabalhassem, a cidade não tinha
condições de enfrentar aquela situação, que fugiu ao controle do governo. O Lazareto
da Lagoa Funda ficou superlotado. Mas nada detinha a marcha epidêmica. Para aumentar
o pânico das classes dominante, até ”gente de posses” que praticavam os
preceitos de boa higiene, foram vítimas da varíola, como a mulher do presidente
da província, falecida em dezembro de 1878.

A partir de
1879, com algumas chuvas caindo, o número de mortos começou a diminuir. Em 1880,
o inverno consolidado cessou a endemia, embora casos esporádicos ainda ocorressem.

Os retirantes  da seca de 1877-79 foram usados de maneira
oportunista na construção de várias obras modernizantes e civilizadoras da
cidade, que continuavam a ser uma preocupação do poder público, apesar de todo
o morticínio provocado pela estiagem.

trilhos1 A Seca de 1877-79  em Fortaleza

boa parte os trilhos da Estrada de Ferro Baturité foram assentados utilizando a mão-de-obra de flagelados da seca (foto do livro os descaminhos de ferro no Brasil)


Essa
mão-de-obra foi usada na construção de asilos, reforma de
praças, aterro de lagoas, reparo em pontes, pavimentação de estradas, e no
prolongamento da Estrada de Ferro Baturité, entre outras, sob o discurso
de assegurar aos retirantes meios de subsistência para a atenuação da sua
miséria. Aproveitava-se assim, aquele contingente, representado por
milhares de pessoas, para realização de obras que dificilmente seriam
viabilizadas em razão dos altos custos. Aliviava-se igualmente a pressão
popular provocada pela seca, afinal os retirantes  estariam recebendo alguma ajuda e sendo
submetidos nas obras a uma dura disciplina, o que garantia a manutenção da
ordem pública.

As pessoas
famintas e numa situação desesperadora, viam-se obrigadas a aceitar as rígidas
condições de trabalho. Entretanto, em virtude dos atrasos nos pagamentos dos
salários e na distribuição de alimentos, a massa chegou a se rebelar – em 1878, seis
mil retirantes lutaram com paus e pedras por horas, na Praça Visconde de
Pelotas (atual Clóvis Beviláqua) contra as tropas do exército e da polícia, que
reprimiu a revolta com tiros, deixando vários feridos.

MAJOR+F+2A A Seca de 1877-79  em Fortaleza
Rua Major Facundo, início do século XX (arquivo Nirez)

 

Com o fim da
estiagem, a maioria dos retirantes regressou para o interior, mas muitos
resolveram ficar em Fortaleza, especialmente viúvas, órfãos e mulheres abandonadas,
em decorrência das mortes e da migração de muitos homens para a Amazônia.  Ficaram a perambular pelas ruas, esmolando,
cometendo pequenos furtos  ou se
prostituindo.  Muitos órfãos foram
levados para morar com famílias de periferia e acabaram explorados – crianças eram
empregadas em serviços domésticos ou na prática de mendicância.

Fonte:

História do
Ceará, de Aírton de Farias
  
 



 

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mfgprodema@yahoo.com.br

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