afrancesamento da época; o Passeio Público, que teve como modelo os jardins públicos europeus, acolhia as elites da
cidade.
Paris, capital do século XIX, segundo a expressão de
Walter Benjamin, não só estava na moda como ditava modas para o mundo ocidental
estabelecendo os modelos e figurinos a serem seguidos para se poder estar em
dia com os novos tempos. E assim foi na Europa, em São Paulo, Rio de Janeiro e
em Florianópolis. Em Fortaleza não foi diferente, seduzindo os novos grupos afluentes,
ansiosos por novidades que lhes deleitassem e demarcassem a superioridade
social e estética. O afrancesamento, sinal de prestígio e refinamento,
tornou-se uma febre na capital, nas mais variadas formas e sentidos.
fosse possível. O caso mais evidente era o das próprias lojas que vendiam
objetos de desejo mundano vindos de Paris. Assim, não era à toa que as mesmas
passassem a ostentar títulos como Rendez-vous de Dames, Au Phare de La
Bastille, Paris des Dames, Paris n’America, Bom Marché, Maison Moderne, Louvre;
e também Hotel de France, Restaurant Entaminet Europeu, café Riche, Confeitaria
Maison Art Nouveau, Notre Dame de Paris, além de Farmácia Francesa e Farmácia
Pasteur. Em suas vitrines, o atraente acervo de artigos europeus constituídos
de tecidos, sapatos, perfumes, chapéus, bijuterias, conservas, bebidas,
maquinários e peças de automóveis.
vendida em 1905, para a empresa que fez esse anúncio
franceses. Fotógrafo com nome nacional ficava sem trabalho. O velho e moreno
Moura passou a ser Moura Quineau. O Eurico Bandeira transformou-se em Eurico
Bandière.
Alguns casos de mudança de nomes nacionais por
franceses não se deram por objetivos mercadológicos, mas pela espiritualidade
popular que a tudo satirizava, e que não poderia deixar passar sem gozação,
tamanha compulsão pelas coisas da França. Foram os casos do Bembém Garapeira,
chamado de “Bien-Bien Garapiere” e do Dr. Aurélio de Lavor que se tornou “Monsieur
Laveur”.
Bembém era o proprietário de um quiosque de madeira
no centro da Cidade que vendia garapa de cana-de-açúcar. Seu pequeno
estabelecimento divertia o público pelas brincadeiras do seu dono e por conter
coisas bizarras, como cabeças feitas pelo próprio garapeiro em quengas de coco.
De tanto ouvir falar da França, o garapeiro passou a cultivar o sonho de
conhecer Paris. Instruído por Alfredo Salgado, um dos mais ricos comerciantes
da cidade, Bembém economizou dinheiro e um belo dia, para surpresa geral, viajou
para a França. Seu relato da viagem é uma das mais hilariantes histórias que a
Capital já ouviu. Quem conta é Otacílio de Azevedo, no seu “Fortaleza Descalça”.
Bembém foi e voltou radiante. Lamentava apenas ter
ido tão tarde, não podendo assistir a decapitação de Maria Antonieta… Aquilo
é que é cidade!, dizia entusiasmado. No hotel onde me hospedei fui obrigado a
escrever meu nome. Como a língua era outra, escrevi: “Bien-Bien” e mais
embaixo: Garapiere. E completava: Olha, lá eu só andava com um homem chamado
Cicerone que falava Português como eu. Terra adiantada aquela: todo mundo
falando francês, até mesmo os carregadores chapeados, as crianças e as mulheres
do povo! Bembém não se cansava de falar da França e completava declarando que
lá, a única palavra em português que ouvira fora “mercibocu”… a conselho de
um intelectual perverso, mandou imprimir um cartão para distribuir com amigos e
fregueses:
contundente de que a mania de afrancesamento da época às vezes beirava o
patético, e por isso mesmo, logo percebido e transformado em gozação pública. O
médico em questão, após viagem à Europa, não descuidava de usar impecáveis
fraques, calça listrada, sapatos de verniz e cravo branco à lapela. Seu exagero
se completava com a compulsão de sempre falar em francês em qualquer
conversação. Em face disso, o ferino jornalista João Brígido nas páginas do seu
jornal Unitário resolveu mudar o nome de Aurélio de Lavor para Monsieur Laveur,
alcunha pilhérica que ganhou fama na cidade.
No meio literário a admiração pela França também se
fez presente, afinal era a pátria de escritores estimados pelos literatos
brasileiros. Dentre os muitos literatos cearenses que cultivavam o encantamento
francês, sobressaía-se Antônio Sales, um dos principais escritores do começo do
século. Vibrava quando falava na França que era uma espécie de segunda pátria
para ele.
Recitar versos em francês era comum nas rodas
literárias, principalmente entre a jovem boemia literária que vigorou
intensamente na cidade, perpetrando suas aventuras urbanas em cafés, tabernas,
serestas, comícios e através de pequenos jornais que não cansavam de publicar e
que, em geral não passavam do 3º número.
Nesse grupo uma dos que mais se destacou pela vivência
boêmia foi William Peter Bernard, profundo conhecedor das obras de poetas
franceses ditos malditos, como Baudelaire, Verlaine e Rimbaud. Figura singular,
Bernard costumava andar arrastando um grande bode holandês, recitava poesias
com ardor enquanto se embriagava nos cafés do centro e nas bodegas e botequins
mais reles, quando o dinheiro escasseava.
Certa feita, ao se deparar com dezenas de flagelados
da seca de 1915 em tumulto com policiais na praia, Bernard e seus companheiros promoveram
uma passeata com os retirantes dali até a Praça do Ferreira, bradando “Pão ou
Revolução”. Dela só desistiu quando veio o recado do Presidente do Estado de
que as frentes de serviço na estrada de ferro estavam reabertas e que o
Dispensário dos Pobres receberia verba especial para atender os retirantes. No dia
seguinte foi intimado para ir prestar explicações à Polícia.
francês na constituição do comércio importador-exportador, no viver mundano,
nas letras e ciências em Fortaleza, consubstanciam aspectos da ardente vontade
de instaurar na Cidade uma nova ordem sócio-urbana, onde as classes dominantes
pudessem auferir os benefícios de uma sociedade produtiva, aformoseada,
civilizada e higienizada. O afrancesamento foi, nessa perspectiva, uma vivência
e uma das frentes de persuasão tentadas
para romper com a tradição e o provincianismo da cidade.
do livro
Fortaleza
Belle Epoque reformas urbanas e controle social – 1860-1930
De
Sebastião Rogério Ponte
pesquisa:
Cronologia Ilustrada de Fortaleza
de Miguel Ângelo de Azevedo
fotos do Arquivo Nirez
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Acho uma pena que a História arquitetônica de Fortaleza esteja se perdendo dia a dia. Essa postagem nos alerta de momentos da nossa história que nem sabíamos existir, pois não há ensino aprofundado nas escolas sobre a nossa própria história local. Triste.
Pois é Geraldsz, somos uma cidade sem memória e sem passado. E esse processo continua, basta ver a desfiguração pela qual a cidade passa atualmente, e com amplo apoio da população.
abs
Fui um aluno que detestava Historia. Porém, no ano de 2009, por conta da dedicação ao vestibular, comecei a me aprofundar na Historia do nosso Brasil. Sobretudo, na Historia do nosso Estado. Isso despertou uma forte paixão! Essas historias hilárias contadas na Praça dos Ferreira, a Vaia ao Sol e o Bode Iô-Iô, são acontecimentos fantásticos que adorei conhecer.
Sou apaixonado pela Historia do nosso Estado. Pena que nossa arquitetura não está sendo preservada. Ainda tenho um sonho: conhecer o local onde ocorreu o famoso "Caldeirão", do Beato José Lourenço.
Olá, Fátima… vc tem algum relato em fotos do restaurante do Excelsior Hotel?
Hoje, lá funciona o restô Paidégua, e não sabe de um cliente, de idade adiantada', q tenha ou conhece alguém q tenha fotos de lá! Nem na Internet se vê!
Um lugar q já passou milhares de pessoas desde 1932… é de se admirar!