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fortaleza+decada+de+30 O Cão da Itaoca
 Fortaleza na década de 30 

Dizem que foi o capeta
quem botou a Itaoca no mapa. Por volta da década de 40, aquela região que hoje
é conhecida como Grande Montese, era chamada de Pirocaia,
que gramaticalmente se traduz por Aldeia dos “Pele Queimada”, uma alusão a
alguma tribo que teria habitado essas plagas em tempos passados. 
O referencial
maior do lugar eram as minas de águas potáveis, puras e cristalinas – a famosa
água da Pirocaia – distribuída por toda a cidade em tonéis de madeiras sobre
carroças puxadas a burros. O principal poço de fornecimento do precioso líquido
ficava na Rua Romeu Martins, antigo Beco da Itaoca, situado entre a Avenida
João Pessoa e a Rua Desembargador João Firmino, em terras do Dr. Manoel Sátiro.

DSC04841A O Cão da Itaoca

Poucas eram as ruas que tinham denominação própria, a maioria das vias atuais eram
conhecidas com a denominação de becos. E foi justamente a atual Rua Romeu
Martins, o antigo Beco da Itaoca, que entrou para a história da cidade por ter
sido palco de acontecimentos extraordinários, que movimentaram a opinião
pública.

O ano era 1941. Europeus e Asiáticos se engalfinhavam num  conflito armado, que alguns meses mais tarde
haveria de se espalhar pelo resto do mundo. E era esse conflito em terras tão
distantes, o principal assunto dos jornais de Fortaleza: só se falava da guerra,
dos ataques, dos mortos, dos bombardeios, das estratégias, das ações, dos envolvidos.
O tema era uma fonte inesgotável de interesse por parte da população, e as
noticias eram fartas.

jardim+am%C3%A9rica+vendo-se+ao+fundo+o+antigo+matadouro O Cão da Itaoca
 bairro Jardim América, tendo ao fundo, o antigo matadouro (foto Nirez) 

De repente, surge uma
dessas histórias bombásticas, capaz de despertar o interesse da população, de
matar de curiosidade os viventes da pacata cidadezinha de pouco mais de 180 mil
habitantes, de deixar em segundo plano as noticias da guerra: a de que satanás em
pessoa, estava dando o ar da graça numa casa localizada no Beco da Itaoca, lá
pras bandas da Pirocaia, subúrbio de Fortaleza.
Segundo testemunhas, na
residência de um certo tenente da polícia  chamado João Lima,  numa casa visivelmente perturbada por mãos imponderáveis
e sutis, fenômenos  estranhos e  acontecimentos inexplicáveis, sugeria a ação
de agentes invisíveis, que segundo os vizinhos, era o próprio capeta.
O proprietário do
imóvel, homem honrado e trabalhador, andava assustado com os fatos de origem
nada natural e sua família andava tomada de justificado nervosismo.
Alguns eventos foram
presenciados até por um repórter do jornal Gazeta de Notícias, que visitou a
casa, e descreveu o que viu: “Observamos verdadeiros aspectos trágicos na casa
do digno oficial da Força Pública. Um santuário, sem que ninguém identificasse
o autor do fato, foi lançado à distância, espatifando-se. As imagens que
estavam no móvel, também se partiram, no choque contra o solo”. Disse ainda
que, a maioria pensava  que aquilo era
obra do demônio, e ele,  repórter, como
certos deputados do passado parlamentar do Brasil, ficava com a maioria.
Em outra manifestação
na casa, presenciada por vizinhos e moradores do bairro, o móvel atingido foi o
fogão, todo de ferro, que deu umas piruetas pela casa e depois caiu sozinho, de
pernas para o ar. Todos os utensílios da cozinha da casa voaram pelos ares; a
chaleira parecia um zepelim, evoluindo pela casa toda; os garfos e facas
dançavam;  os pratos tiniam;  areia e pedras eram jogadas de todos os
cantos, enquanto distintas senhoras jogavam água benta pela casa. Tudo em vão.
Um jarro que estava no chão, ergueu-se num voo rasante e quase atingiu uma
delas.

Como os fenômenos se
repetissem, a policia foi chamada. Em presença das autoridades policias – os delegados
Leôncio Botelho e Madaleno Barroso, o comissário Mário Moraes, e auxiliares da
DIC – nada se registrou de anormal, ainda segundo o repórter. 

DSC04863 O Cão da Itaoca

No entanto, um
verdadeiro terror se apoderou da vizinhança, chamando a atenção da população. A
história das aparições na Itaoca se espalhou por toda a cidade, sendo manchete em
três jornais e objeto de reportagem da PRE-9 (Ceará Rádio Clube), a única emissora de rádio da
cidade. Até mesmo o sóbrio Jornal “O Nordeste”, de propriedade da Diocese de
Fortaleza, se pronunciou sobre o caso, reclamando providências.

Uma multidão de
curiosos se aglomerava todos os dias na casa do tenente João Lima, na tentativa
de observar as manifestações. As opiniões se dividiam: uns acreditavam em
manifestações sobrenaturais, outros em farsa 
de espíritos zombeteiros, 
enquanto havia quem oferecesse explicações  naturais para os fatos. Os curiosos,
procedentes de todos os bairros, de todas as classes sociais, de todos os credos, se movimentavam fascinadas 
pelas plumas imponderáveis da superstição e da curiosidade.

DSC05246 O Cão da Itaoca

Quintino Cunha, grande
humorista cearense, era vizinho da casa onde o cão fazia as estripulias, e
arriscou um palpite: para Quintino aquilo era obra de almas bêbadas, talvez dos
que foram ébrios em vida. No meio da polêmica até a Federação Espírita do Ceará
se propôs a examinar a questão, intervindo, se necessário no caso da Itaoca.

De repente, tão
inesperadamente como chegou, o capeta sumiu, os fenômenos cessaram e os objetos
da casa voltaram ao seu estado de inércia. O mesmo repórter que deu início às
reportagens que divulgou o fenômeno, deu sua explicação para o fim do caso: Lúcifer
deixou a Itaoca com medo dos catimbozeiros de lá, e resolveu retornar à Europa,
onde a demência assumia formas mais trágicas.

DSC04861A O Cão da Itaoca

Dizem que a história do
Cão da Itaoca não passou de uma grande invenção, uma história criada por um jornalista  entediado com a escassez de noticias locais.
Provavelmente não contava com a repercussão nem com as proporções que o caso
assumiria.

Com a divulgação do fenômeno envolvendo o Cão, o nome “Itaoca” se firmou em
nível local. Atualmente a Itaoca é um bairro situado entre o
Montese e a Parangaba.

pesquisa:
Sobre o fenômeno das aparições – os jornais da época:
Gazeta de Notícias, edições de 20, 21, 22 de março de 1941
O Nordeste, de 22 de março de 1941. 
Sobre o ambiente local das aparições: Livro
“De Pirocaia a Montese”, de Raimundo Nonato Ximenes

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0 comentário

  1. Muito interessante essa matéria. Só em relembrar essa hitoria de muitos anos, qdo ainda não tinha nem nascido, Ri bastante ao saber que tudo não passou de peripécias de um certo jornalista. Kkk

  2. Sim, isso é veedade. Alguém poderia me dizer se precisamente na Romeu Martins, antigamente, alguma tragédia aconteceu? Realmente nota-se que existe uma presença ali, muito forte por sinal. Embora a maioria das pessoas que vivem lá, toquem suas vidas de forma tranquila, mesmo assim, elas não conseguem ignorar por completo o que acontece ali. Se alguém souber de algum relato do beco da Romeu, comenta aqui.

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mfgprodema@yahoo.com.br

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