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Conheci, logo que aqui cheguei, vindo de Redenção, o célebre “Cajueiro Botador” da Praça do Ferreira. Situava-se em frente da Empresa telefônica – local onde hoje é a Livraria Alaor. (A Livraria Alaor ficava na Rua Floriano Peixoto n° 621 – grifo nosso)

cajueirobotador O Cajueiro da Mentira
Cajueiro botador na Praça do Ferreira – ao fundo o Café Java (arquivo Nirez)

Era o Cajueiro dos mexeriqueiros, dos desocupados… mas também de muita gente boa. No dia primeiro de abril, feriado nacional da mentira, juntava-se ali dezenas de pessoas – homens da sociedade, plebeus, artistas, pequenos comerciantes, brancos e pretos, enfim, toda casta de gente que lia cartazes pregados no tronco nodoso do cajueiro. 
Era uma gargalhada ininterrupta que vibrava, repercutindo por toda a Avenida 7 de setembro. Os cartazes noticiavam as maiores mentiras, denunciavam mil coisas e, às vezes, a sua leitura provocava discussões e até brigas violentas.
O Café Java, que ficava defronte à Delegacia de Polícia (hoje Caixa Econômica), era a sede do pleito político dos potoqueiros e onde se preparavas as chapas para as eleições de mentira.

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Café Java de Mané Côco integrava um conjunto de quatro cafés que ocupavam as esquinas da Praça do Ferreira. Ficava na esquina da Rua Floriano Peixoto com a Travessa Municipal (atual Rua Guilherme Rocha) – arquivo Marciano Lopes 

De manhã cedo, até ao anoitecer, não se mediam horas, ninguém trabalhava noutra coisa a não ser na eleição dos seus candidatos. Embandeiravam os galhos do velho cajueiro com as chapas e cartazes. Soltavam bombas e foguetes sob a música da Banda da Polícia  ali postada a executar sambas, polcas e maxixes, às vezes acompanhados de grossa pancadaria…
Faziam parte daquela comuna irrequieta Amâncio Cavalcante, Leonardo Mota, Eurico Pinto, Gérson Faria, William Peter Bernard, Ramos Cotoco, Chamarion, Carlos Severo, Gilberto Câmara, Quintino Cunha, o Rochinha da farmácia, o Pilombeta e muitos outros…
Os que se mostravam contra a brincadeira ficavam loucos de raiva, atiravam no chão os seus chapéus de palhinha, brandiam furiosos as bengalas, praguejavam, ameaçavam e, impotentes, retiravam-se sob os apupos de mil vozes galhofeiras.
O cajueiro, porém, pejado de frutos vermelhos de janeiro a dezembro, parecia rir daquilo tudo: agitava ao vento os seus galhos retorcidos e pesados dos frutos maduros.
Diz Raimundo Girão na sua magnífica Geografia Estética de Fortaleza: era o cajueiro da mentira. Melhor, o suporte da urna em que se elegiam os mitômanos graduados todos os anos a primeiro de abril, considerado o dia nacional da potoca. 
À sua sombra, como um pálio, resguardava a mesa eleitoral que recebia os votos populares no mais animado e vero dos pleitos, tudo ornamentado de bandeirinhas de papel e agitado de foguetes de estouro.
À noite, o nome vitorioso era colocado no cajueiro, havendo discursos, aplausos, urros, os mais calorosos vivas sob o estrépido das palmas.
Em 1920, o prefeito Godofredo Maciel, num gesto frio e desumano mandou que cortassem o cajueiro botador. Houve um levante surdo contra o desalmado prefeito, que muito perdeu na simpatia dos assíduos fregueses do Café Java, quartel-general onde se reuniam os programadores do memorável dia da mentira.
Era esta a maior festa popular da Fortaleza Antiga.
Do livro: Fortaleza Descalça – reminiscências
de Otacílio de Azevdo

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mfgprodema@yahoo.com.br

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