Antônio Villanova decidiu, ainda muito moço, emigrar para o interior da Bahia,
no que foi acompanhado por sua esposa e por seu irmão Honório. Uma vez chegado
ao destino, estabeleceu-se com pequeno e próspero negócio numa das cidades vizinhas
do então florescente arraial de Canudos. O comércio começou a crescer,
dando-lhe lucros satisfatórios e larga freguesia.
aparecer os fanáticos do Conselheiro, que lhe faziam descrições favoráveis da
nova povoação, efetuavam compras vultosas e insistiam com ele para ir se
estabelecer por lá. Seduzido pela esperança de fortuna e certo do bom
acolhimento, mesmo pelas circunstâncias de ser também cearense o novo ídolo
messiânico, Villanova acabou se instalando definitivamente no arraial agitado,
onde se erguiam casas todos os dias do ano e onde o comércio era deveras
promissor.
tornou-se Canudos uma praça de guerra e, como sua ascendência sobre os jagunços
já se fizera sentir de modo insofismável sobre ele, bem a seu pesar recaiu o
voto dos principais no sentido de assumir o comando de determinado setor das
operações militares, além de uma espécie de juizado de paz sobre a cidade rebelde.
Passaram, no entanto, os
tempos favoráveis das vitórias espetaculares dos insurretos sobre as forças do
Estado, e sucederam-lhe os tempos difíceis de fatal decadência em que, pouco a
pouco, foi se apagando a estrela do Conselheiro e da revolução chefiada por
ele. Já a maioria das construções de Canudos haviam sido destruídas. O cerco
levado a efeito pelas forças legais assumia caráter cada vez mais definitivo,
enquanto a fome e a sede completavam os horrores sofridos pelos bravos
guerrilheiros, bem dignos de outro ideal.
Quando, ao atravessar o
arraial para a igreja nova, recebeu o Conselheiro a bala que o pôs de cama e
mais tarde o matou, aos olhos dos demais, morreu ali, a última esperança. A
vista do grande dilema – fugir ou esperar pelo próximo ataque – Villanova optou
pela primeira alternativa.
Antes, porém, fiel às
suas tradições de lealdade, foi conversar com o endeusado profeta. Fez-lhe ver
o esgotamento geral; alegou os serviços prestados à revolução, só para não
desmerecer da confiança nele depositada, sem o menor ardor messiânico dos
outros. Invocou o triste estado da família, literalmente morrendo de fome,
sendo ainda de notar que o irmão Honório, ferido e inválido, exigia cuidados
especiais. Feita a exposição, pediu-lhe licença para ir embora.
quando todos estivessem adormecidos. Atravessariam a zona perigosa pelo leito
do rio que banhava a cidade; e se a sorte lhe fosse favorável, voltariam ao
Ceará, para nunca mais se arriscarem por terras estranhas…– Faça sua viagem,
concedeu Antônio Conselheiro, cuja voz de tão alquebrada já parecia sair da
eternidade.
fugitivos, pisando de mansinho e contendo a própria respiração, receosos de ser
descobertos pelos soldados do governo, que já ocupavam a margem oposto do rio.
Não era pequeno o risco de serem abatidos ali mesmo, como rezes no bebedouro. Viajaram vários,
intermináveis dias, na expectativa de um encontro indesejado, caatinga adentro,
pelo leito dos córregos ou pelas veredas do gado. Quando se viram fora da zona
de perigo e alcançaram o solo pernambucano, tinham as roupas em farrapos e os
pés em carne viva.
recolheu-se Antônio Villanova à propriedade onde viviam seus parentes e ali,
esquecido do mundo, viveu até 1913. A esse tempo foi lhe bater à porta um
emissário de Floro Bartolomeu, levando uma carta do Padre Cícero que pedia sua
presença, com urgência em Juazeiro. Achava-se o Juazeiro em véspera de
proclamar a inconfidência que apeou do poder o governador Franco Rabelo e dali
se alastrou por todo o Estado.
baiano para liderança dos sertanejos inexperientes que iam partir para a luta,
como também para dirigir o serviço de defesa em que Canudos tanto se havia
distinguido. Antônio Villanova foi irredutível. Nunca mais empunharia arma
contra o governo, fosse onde fosse. O que fez foi dar, ante os insistentes
pedidos, algumas noções práticas do sistema de valados que logo circundaram a
cidade rebelada e que admiravelmente a guarneceram naquele instante decisivo da
história do Ceará.
Villanova regressou à terra natal, incógnito como tinha saído, para nunca mais dar o ar
da graça fora de Assaré. Era, todavia, um homem leal, bravo, circunspecto e
diligente, à altura, portanto, de uma grande responsabilidade.
Conselheiro, do Padre Azarias Sobreira
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