com mais de 100 mil habitantes, governo e elites de Fortaleza enfatizavam a
necessidade de modernizar e embelezar a cidade, enquanto sua população e suas contradições
só aumentavam. O discurso da modernidade visava dotar a cidade de equipamentos
que beneficiassem os setores econômicos mais influentes, disciplinasse a
expansão urbana e controlasse a crescente população pobre e a tensão social
decorrente desse crescimento.
Foi nesse contexto, que a cidade viveu a
expectativa da invasão de milhares de retirantes, quando ficou evidente que o
Estado atravessava mais um período de estiagem. Temia-se a repetição dos
acontecimentos de 1877, quando Fortaleza transformou-se na capital do
desespero: de 21 mil habitantes pelo censo de 1872, passou a ter 130 mil. Um
enorme contingente de pessoas em busca de alimentos, trabalho, teto, remédios e
assistência social. A economia da província, já abalada pela crise do algodão, entrou
em colapso de vez.
O ano de 1931 foi de
inverno ruim no Ceará, com poucas chuvas e safras reduzidas, prenúncio de novos
períodos de estiagens. A previsão se confirmou logo no ano seguinte com a
seca de 1932, uma das mais graves da história do Estado.
Milhares de pessoas
faleceram de fome, sede e doenças. O então presidente Getúlio Vargas resolveu tratar
o problema causado pela estiagem como uma questão nacional, ou seja, as medidas
a serem adotadas seriam de responsabilidade do governo federal. Logo liberou
verbas para socorro aos flagelados, controlou o mercado para garantir o
abastecimento mínimo e preços razoáveis e instruiu a Inspetoria de Obras contra
as Secas IFOCS a alistar sertanejos para trabalhos na construção de açudes,
estradas, calçamentos, prédios, etc.
Nem todos os sertanejos
conseguiam emprego nas obras de emergências, porque a procura era muito maior
do que a oferta de vagas. Os que conseguiam, trabalhavam de sol a sol, sempre
sob o olhar repressor de feitores. Não
recebiam salários em moeda, mas em gêneros alimentícios, os quais muitas vezes
eram desviados pelos encarregados da distribuição ou tinham valores
superfaturados.
Ante a penúria e a fome,
homens, mulheres de todas as idades e crianças viram-se sujeitos a migrar a pé
ou em trens em busca de alguma ajuda. As estações ferroviárias tornaram-se
locais de grande tensão entre os migrantes e a polícia – os retirantes chegaram
a saquear e a tomar trens em busca de passagens para Fortaleza.
Os trens poupavam os
flagelados de longas caminhadas, e os caminhos dos trilhos viraram a grande
referência para as rotas dos sertanejos. Em Fortaleza, normalmente os migrantes
eram despejados próximos ao litoral, onde se localizavam as últimas estações
ferroviárias. Muitos deles erguiam casebres perto da praia, o que explica a
formação das primeiras grandes favelas de Fortaleza, a exemplo do Pirambu.
Aqueles exércitos de
miseráveis incomodavam os moradores, pois dizia-se, levavam doenças, desordens e maus
hábitos; os jornais da época davam conta da preocupação dos comerciantes, com possíveis
saques e assaltos. Para manter os retirantes
em seus lugares de origem e evitar que alcançassem Fortaleza ou outras grandes
cidades do interior, as autoridades construíram “campos de concentração”, ou
seja, acampamentos murados ou cercados com arame farpado, onde eram confinados
os flagelados – uma experiência que já tinha sido posta em prática em 1915, no
Alagadiço (atual São Gerardo).
Os Campos de Concentração
apresentavam uma estrutura básica, com posto médico, cozinha, barbearia (os
homens tinham o cabelo raspado), banheiros, capela e casebres divididos em
pavilhões para homens solteiros, viúvas e famílias. Poderia haver ainda uma
espécie de cadeia para os desordeiros e oficinas de olaria, carpintaria, alfaiataria,
para não deixar os retirantes inativos, o que era aliás, uma grande preocupação
das autoridades.
Dali ninguém podia sair
sem autorização dos inspetores de Campo. Guardas vigiavam constantemente os
movimentos dos “concentrados” para evitar fugas. Houve inúmeros casos de revolta
de retirantes contra aquele controle sufocante. Esses espaços foram chamados
pela população de “currais do governo”. Vale lembrar que a criação dos Campos
de Concentração contou com amplo apoio da sociedade, de acordo com os artigos
elogiosos divulgados pelos jornais da época, afinal os retirantes estavam
isolados e bem assistidos.
As estatísticas oficiais
dão conta de mais de cem mil retirantes (os números são estimados, já que não havia um controle efetivo da população nos campos de concentração) nas sete áreas de confinamento existentes:
em Buriti (distrito do Crato), Patu (Senador Pompeu) Cariús (São Mateus), Ipu,
Quixeramobim e em Fortaleza, nos bairros do Pirambu e Farias Brito (Otávio
Bonfim).
formado um dos campos de concentração em Fortaleza, onde os retirantes ficavam
confinados, vigiados por soldados. Ali os retirantes podiam fazer tudo, contanto
que não saíssem de lá. O governo fornecia alguma alimentação, água, e prometia
soluções que nunca chegaram. objetivo
era evitar que os miseráveis, vítimas da seca, ocupassem Fortaleza. O Campo de
Concentração estava localizado nas imediações da futura Igreja das Dores, no local hoje ocupado pela Praça de
Otávio Bonfim e pela Comunidade conhecida por Cercado do Zepadre.
A localização dos campos levou
em conta a existência nas proximidades de uma estação ferroviária. Com isso, as
autoridades objetivavam controlar a massa de retirantes (diminuindo as tensões
sociais pelo confinamento da população) e evitar sua migração de trem para a
capital. Nos Campos de
Concentração o governo prometia água, comida e assistência médica aos
retirantes, num discurso humanista. Mas a realidade era outra; a condição dos
flagelados era lamentável, magros, doentes e mal alimentados. Os campos se
tornavam focos de infecção. Entre abril de 1932 e março de 1933 foram
registrados mais de mil mortos no Campo de Concentração do Ipu. O maior campo instalado
no Estado foi o de Buriti, Distrito do Crato. Segundo registros oficiais, por
lá passaram 65 mil pessoas em 1932.
Depois de 1932 a experiência dos Campos de Concentração foi abandonada no Ceará. Não há registro de que outros Estados do Nordeste tenham lançado mão dessa estratégia.
de Airton de Farias
fotos de origens diversas
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