×
Com a entrada do Brasil na guerra contra o Eixo, Fortaleza encheu-se de soldados e marinheiros norte-americanos,  em trânsito para os campos de batalha europeus.  Enquanto permaneciam aqui, os gringos procuravam se divertir o mais que podiam, não sendo difícil para eles, atrair muitas moças da classe média alta, que logo se tornaram suas namoradas. Coube a essas ousadas mulheres,  realizar uma verdadeira revolução nos costumes da cidade provinciana de então. 

anos40pcadoferreira Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas
Praça do Ferreira, década de 1940

Puseram fim ao tabu de que  moças de família não deveriam sair desacompanhadas de pais ou irmãos, a sós com os namorados. E muito menos quando essas saídas fossem à noite, depois das nove batidas do relógio da Coluna da Hora. 
Pois as coca-colas – como foram apelidadas, talvez por ser esse um dos principais símbolos americanos – ousaram fazê-lo para desespero das mães,  espanto das avós e deleite da vizinhança, que tinha assunto para falatório durante muito tempo. 
Elas saíam de braços dados, com os namorados estrangeiros, fosse de dia, fosse de noite. O point elegante da cidade, frequentado pela juventude da época e que passou ser também um dos preferidos dos americanos, era o bar O Jangadeiro, na Praça do Ferreira. 

Imagem+%252852%2529 Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas
O Bar O Jangadeiro, na Praça do Ferreira era um front na batalha das Coca-Colas contra o preconceito. Ali elas tinham encontros com os soldados americanos (arquivo Marciano Lopes)

Outro ponto de encontro era na Praia de Iracema, onde se instalaria posteriormente o famoso restaurante Estoril, onde funcionava o USO, clube dos oficiais americanos, de muita frequência,  especialmente feminina.   
Coube também aos americanos o início de outra revolução de hábitos e usos em Fortaleza. Os filhos de Tio Sam tomavam cachaça sem o menor constrangimento. Chegavam ao Jangadeiro pedindo que lhes servissem uísque. 

Imagem+%252851%2529 Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas
Vila Morena, na Praia de Iracema, transformada em clube dos oficiais norte-americanos durante a 2a. guerra, era o reduto das moças da sociedade local que tinham coragem de enfrentar as criticas e reprovações e assumiam o namoro com os soldados americanos (arquivo Marciano Lopes) 

Ao ouvirem dos garçons que o produto estava em falta, pediam então outra bebida forte.  E os garçons empurravam aguardente.  A cachaça misturada com Coca-Cola era muito apreciada pelos americanos. 
E como no Ceará as elites costumam imitar tudo que fazem os estrangeiros, logo virou moda  tomar cachaça com Coca-Cola.  A partir daí a cachaça ganhou status de bebida de classe, perdeu o estigma de bebida de párias sociais para virar uísque nacional. 
Enquanto isso no bar e sorveteria O Jangadeiro, surgia sério desentendimento entre os rapazes do soçaite local e os garçons. Estes se esquivavam de atendê-los preferindo os americanos, porque os gringos, além de pagarem regiamente, ainda o faziam em dólares. 
Os antigos clientes reclamaram com o dono do estabelecimento, o sobralense José Frota Passou que não titubeou: a frequência não lhe interessava, preferia antes os americanos porque não olhavam para o montante das despesas. A resposta do comerciante irritou a rapaziada que em represália, tentou quebrar o estabelecimento. Mesas e cadeiras chegaram a ser quebradas, enquanto na Praça do Ferreira juntava gente pronta para colaborar com a depredação. No entanto, a turma do deixa disso entrou em ação conseguindo acalmar os ânimos. Tudo por conta do nosso esforço de guerra.
Terminada a guerra, os soldados americanos retornaram ao seu país de origem e as Coca-Colas ficaram desativadas. Mas continuaram a desfilar seu charme e elegância pelas ruas da cidade, motivando as mais variadas reações.  As crianças ficavam boquiabertas ante aquelas verdadeiras afrodites  que desafiavam os costumes e a moral da época
 – mãe que moça linda!
E a mãe, puxando o rebento pela orelha:
 – não olha, menino! É uma Coca-Cola!  

Segundo Blanchard Girão, circulava entre os alunos do Liceu, em cópias datilografadas, uma relação com os nomes das Coca-Colas, moças faladas, que os jovens cearenses  não aceitavam de modo algum para casar. Várias dessas moças acabaram casando com soldados e, ao término da guerra transferiram-se com eles para os Estados Unidos.

4visual Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas

1186153251_2395 Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas

propagandas_antigas_da_coca_cola_04 Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas
Depois dos americanos, vieram os produtos produzidos por eles: a Coca-Cola, as meias de nylon, a goma de mascar, o plástico, o pirex, a caneta esferográfica e outros. 

As tropas americanas permaneceram em Fortaleza entre 1943 e 1946. Terminado o conflito, a população entendeu que era hora deles deixarem nossa terra. E começaram a surgir desavenças entre gringos e nativos. 
Certo dia, ao cair da tarde, um senhor, aparentemente de posses, deixou o carro estacionado em frente a uma tabacaria, ao lado da Rotisserie (atual prédio da Caixa Econômica na esquina das Ruas Floriano Peixoto e Guilherme Rocha), na Praça do Ferreira.  A esposa permaneceu dentro do veículo, quando dela se aproximou  um marujo americano, muito alto e magro, que dirigiu um gracejo para a mulher. Ao perceber o assédio, o marido saltou como uma fera contra o galanteador, de faca em punho. 
O americano desabou em incrível velocidade, sob as vaias da população, indo homiziar-se no Excelsior Hotel para fugir da fúria do perseguidor.  
Fontes:
Alberto S. Galeno,
Blanchard Girão
Marciano Lopes

Compartilhe com alguém

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Autor

mfgprodema@yahoo.com.br

Posts relacionados

As Noites Boêmias da Praia de Iracema

  A zona portuária da Praia de Iracema sempre foi um lugar de muitos agitos: de passageiros que demandavam a Ponte Metálica,...

Leia tudo

Os Pracinhas da FEB em Campanha na Itália

A 2ª. Guerra Mundial começou em 1939, quando a Alemanha nazista liderada por Adolf Hitler invadiu a Polônia. Para os Estados Unidos...

Leia tudo

Histórias não Contadas dos Americanos no Ceará

Decorridos 74 anos do fim da segunda Guerra Mundial (1939-1945) ainda permanecem em segredo alguns aspectos do conflito, embora a grande maioria...

Leia tudo

Fortaleza no Pós-Guerra: de Francesa para Americana

Na segunda metade dos anos quarenta, terminada a Segunda Guerra Mundial, enquanto a Europa tentava recuperar-se dos estragos causados pelo conflito, os...

Leia tudo

Os anos de guerra e o Blackout em Fortaleza

O Ceará ingressou nos anos 40 sob o impacto da Segunda Guerra Mundial. Um intenso noticiário sobre os afundamentos de navios brasileiros...

Leia tudo