![]() |
Padre Quinderé (imagem do blog As Trilhas da Vida) |
Padre
Quinderé é uma figura lendária. Falecido em 1960, ainda vive nas memórias da
cidade, graças à maneira cativante de externar-se, de comunicar-se com todo
mundo, seus gracejos oportunos e o seu invencível repentismo. Estava sempre
bem-humorado e marcou época nas funções que ocupou, seja como religioso,
jornalista e professor.
Como
professor do Liceu do Ceará, fazia o gênero linha dura, ameaçando céus e terras
para o aluno que não aprendesse os rudimentos da língua latina. O colégio
realizava quatro provas escritas de avaliação por ano, e antes de cada uma,
semblante fechado, o mestre anunciava: “é agora cambada, que chegou a hora da
onça beber água. Quem prestou atenção, quem estudou, quem vai se dar bem, quem malandrou,
entra no zero, zerorum...e aquele que eu apanhar pescando, boto pra fora no
mesmo instante”
![]() |
Prédio onde funcionava o Liceu do Ceará, na Praça dos Voluntários (imagem Arquivo Nirez) |
Sentado
na cadeira de professor, vez por outra levantava-se, dava uma volta na sala de
aula, esmiuçava cada um dos alunos em busca de pesca. De repente, faltando uns
10 a 15 minutos para terminar o horário da prova, ele avisava: “olhem, vou até
a cantina tomar um chá. Quero comportamento exemplar, se eu souber que alguém
pescou já sabem, o zero vai cair sem piedade, em cima de vocês”
E se
retirava estrategicamente, convencido de que era inútil seu esforço de
conscientizar aquelas crianças da importância do ensino do Latim, para uma
melhor compreensão do Português, do Francês, do Espanhol, enfim, de todas as
línguas modernas que direta ou indiretamente, nasceram do idioma espalhado no
mundo antigo pelo Império Romano.
Com
esse sistema, nunca reprovou ninguém, em compensação, o estudo do Latim ficou
para depois... ou para nunca. Monsenhor Quinderé patrimônio moral e cultural do
Ceará, escritor e jornalista, ganhou fama também por sua espirituosidade.
Gostava de contar anedotas, fazia rir sem ser ofensivo.
E
deixou em seus alunos a lembrança do professor devotado e severo, ao mesmo
tempo generoso, porque cedo entendeu que o estudo do latim positivamente era
uma carga pesada demais que o currículo impunha aos alunos secundaristas.
Contam
que certa vez o padre recebeu um grupo de alunos e alunas do Liceu que o
convidaram a um piquenique comemorativo do término do curso. Argumentaram que a
presença dele daria mais destaque ao evento. Padre Quinderé agradeceu, mas
respondeu “não posso ir, mas peço-lhes, porém, uma coisa: me tragam depois os
meninos nascidos desse piquenique para eu
batizá-los.”
Amigo
da família do Comendador Nogueira Acióli, Presidente do Estado durante muitos
anos, Monsenhor Quinderé recebeu de "presente" uma cadeira de
deputado Estadual. Eleito, cumpriu dois mandatos, onde ele próprio afirmava:
"Fui deputado, sem conhecer um eleitor, e jamais qualquer deles me
procurou para tratar de interesses pessoais. Os chefes é que defendiam junto ao
governo as pretensões dos seus correligionários''.
Simpático
e acessível, frequentava as residências ricas ou pobres, como pessoa de casa, e
jamais alguém duvidou da lisura dos seus procedimentos morais e das suas
virtudes de clérigo. Certa vez, para fazer gracejo, perguntaram-lhe se ele era
um sacerdote sério, e a resposta foi: "sério eu sou, não sou é
sisudo".
Quando faleceu, no dia 26 de agosto de 1960, Monsenhor Quinderé já estava privado da visão há alguns anos e o seu passamento resultou de um insidioso câncer. Foram suas últimas palavras: "A batalha está terminada. Encontrei o caminho do céu". Morreu aos 78 anos, como sempre viveu: em paz com sua consciência. Está sepultado na cripta da Catedral Metropolitana de Fortaleza.
Capela do Cristo Ressuscitado na Cripta da Catedral (imagem Fortaleza em Fotos 2012) |
José Alves Quinderé nasceu em Maranguape, filho de João Gualberto Quinderé e Josefina Pinheiro Muniz, no primeiro dia do ano de 1882. Ingressou no Seminário de Fortaleza em 1904, com estudos custeados pela irmã Gagnet, madre superiora do Colégio da Imaculada Conceição, que admirava a sua inteligência e as suas virtudes. Depois da ordenação passou a trabalhar no Palácio Episcopal, até que em 1910 foi nomeado professor de latim do Liceu do Ceará. Três anos depois, fundou o Colégio Cearense, que em 1916 passou a ser dirigido pelos irmãos Maristas. Na hierarquia da igreja atuou como Secretário-Geral do bispo Dom Joaquim José Vieira. Em 1920, foi distinguido com o título de Cônego, tornando-se Monsenhor em 1929. Exerceu o mandato de deputado estadual em duas legislaturas e foi Vice-Presidente da Assembleia. Suas atividades literárias começaram em 1939, quando escreveu um trabalho intitulado "Subsídio para a História Eclesiástica do Ceará", inserido numa edição de "O Ceará".
Monsenhor
José Quinderé publicou, além de "Subsídio Para a História Eclesiástica do
Ceará", o "Ano Litúrgico", "Sinal Sensível", (Editora
Agir-Rio), "Palavra de Vida Eterna"(Editora Vozes, de Petrópolis),
"A Mais Antiga Constituição" (Editora Beneditina, Salvador), "A
Vida de D. Joaquim José Vieira- 29 Bispo do Ceará" (Editora Instituto do
Ceará), "Vida de Santa Filomena" (Editora A. Batista Fontenele) e,
finalmente, "Reminiscências".
Fontes:
O Liceu e o Bonde/Blanchard Girão/Editora ABC/Fortaleza, 1997
Padre Quinderé, por Raimundo Girão. Disponível em https://academiacearensedeletras.org.br/revista/revistas/1982/ACL_1982_22_O_Padre_Quindere_Raimundo_Girao.pdf