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Aracati+-+canoa+quebrada Dragão do Mar - o jangadeiro da campanha abolicionista
Praia de Canoa Quebrada em Aracati

A luta pela libertação dos escravos no Ceará talvez
não se antecipasse ao resto do país, se uma espinha de peixe tivesse provocado
a morte do menino negro e mirrado, nascido em Aracati, filho do pescador Manoel
do Nascimento e de Matilde Maria da Conceição, residentes em Canoa Quebrada.
Com a espinha atravessada na garganta, foi desenganado pela comunidade e
batizado “na hora da morte”, com o nome de Francisco José do Nascimento, que
depois seria conhecido em todo o Brasil por “Dragão do Mar”.

Nascido em 15 de abril de 1839, bem cedo perdeu o
pai, que se aventurou num seringal do Amazonas, atraído pela lenda de riquezas.
O avô, também jangadeiro, morreu no mar. Sem condições de criar os filhos,
Matilde Maria da Conceição viu-se obrigada a dar a criança de oito anos de
idade para uma família de maiores recursos. O escritor Edmar Morel, autor do
livro “O Dragão do Mar”, cita trecho das memórias do abolicionista: 

Blog+do+Iba+Mendes+-+jangadeiros+no+meireles+1964A Dragão do Mar - o jangadeiro da campanha abolicionista

 – minha mãe era alta, forte, muito morena, sendo,
porém mais clara do que meu pai. O seu nome era Matilde Maria da Conceição, e
por isso fiquei conhecido para o resto da vida como “Chico da Matilde”. Como
Chico da Matilde fui tratado pelo José do Patrocínio e até pelos jornais da
Corte.
 

Ainda criança Nascimento serviu de garoto de recados
no veleiro Tubarão que transportava mercadorias para Natal, Recife e Fortaleza.
Sem poder frequentar escola, aprendeu a ler com muita dificuldade, com 20 anos
de idade. Em 1859, teve oportunidade de trabalhar nas obras do porto de
Fortaleza, mas preferiu a aventura do mar. Embarcou então num navio que fazia a
linha Maranhão-Ceará. 

Nesta época ficou muito impressionado com o episódio
ocorrido no barco “Laura Segunda”, cuja tripulação foi dizimada pelos escravos
revoltados com os castigos violentos a que eram submetidos. Os revoltosos foram
presos e enforcados na Praça dos Mártires (atual Passeio Público). Nascia
naquele instante a preocupação com o suplício de milhares de negros. Durante as
viagens presenciava cenas de barbarismo no tráfico de homens e mulheres.

Nesse ambiente é que nascimento, já sabendo ler e
escrever, sente que o drama daquele amontoado de infelizes é parte de sua vida.
Ele é um homem livre, mas é um mulato e melhor do que ninguém sabe das
decepções que passa, do infortúnio de sua gente, humildes pescadores do Ceará,
pretos e caboclos escravizados a um patrão branco, desumano e perverso.

mucuripe+40+ou+50 Dragão do Mar - o jangadeiro da campanha abolicionista
 Bairro do Mucuripe nos anos 40

Além do contato com marinheiros de outros países,
que não tinham escravos, Francisco José do Nascimento começava a se revoltar
com a própria condição de negro. Em Fortaleza, onde passou a morar, havia
faixas especiais para escravos e negros nas praças. Até na igreja, ricos e
brancos tinham privilégios. Sentavam-se em cadeiras pagas e numeradas.

Em 1874 foi nomeado para o cargo de segundo prático
na Capitania dos Portos. Três anos depois contribuiu para o trabalho de socorro
às vitimas da grande seca de 1877, que dizimou de fome e peste mais de um quarto
da população cearense. Conheceu João Cordeiro, famoso por suas ideias
republicanas, além de ser anti-escravagista. O tráfico de escravos para o Sul se
intensificou devido a péssima situação financeira dos latifundiários, em razão
da seca.

Enquanto isso, a sociedade “Perseverança e Porvir”
transformada depois em Sociedade Cearense Libertadora, alforriava escravos,
graças à ação de pessoas dedicadas à extinção do comércio de negros. De acordo
com João Brígido, havia no Ceará 31.516 escravos. A maioria se ocupava de
trabalhos domésticos em consequência da destruição da lavoura.

A sociedade promovia também roubos de escravos e
desmoralizava as autoridades com suas aventuras durante a noite nas fazendas
vizinhas. Os membros audaciosos levavam os escravos para lugares seguros, com a
ajuda do Dragão do Mar. A reação dos grandes proprietários de terras foi logo
sentida. O coronel Antônio Pereira de Brito Paiva, do Partido Liberal, acusou
de furto, Nascimento, Joaquim Teles Marrocos, Xavier de Castro, Isaac Amaral e outros
dirigentes da Libertadora. 

dragao Dragão do Mar - o jangadeiro da campanha abolicionista
 Porto de Fortaleza

O jornalista João Brígido, conhecido por sua escrita
panfletária, advogava em favor do coronel. Por parte dos abolicionistas,
Alminho Álvares Afonso e Frederico Borges. O julgamento foi realizado na antiga
Câmara Municipal, na Rua Floriano Peixoto.

As sessões contavam com a presença de quase toda a
cidade e foram motivo de zombaria. Isto porque Isaac Amaral, proprietário de várias
carroças, ordenou que enchessem todas elas com latas vazias. No mesmo horário
das audiências, as carroças davam voltas no quarteirão fazendo um barulho
ensurdecedor. O juiz, favorável à causa abolicionista, adiava as sessões. Depois
de várias tentativas frustradas de prosseguir com o inquérito, o coronel
escravagista desistiu, pedindo paz aos libertadores.

A primeira mulher de Chico da Matilde, Joaquina
Francisca do Nascimento era também favorável à causa abolicionista. Ela pertencia a Sociedade das Cearenses Libertadoras, fundada em 1882, que tinha na
presidência Maria Tomásia. Com residência na praia, próxima ao Seminário da
Prainha, Nascimento construiu amplo galpão no fundo do quintal para esconder
escravos. Por sua participação no movimento, foi ameaçado
pelas autoridades.

Bairro+da+Prainha,+a+esquerda+no+alto+vemos+a+igreja+da+S%C3%A9+-+1900 Dragão do Mar - o jangadeiro da campanha abolicionista
 bairro da Prainha, onde residia o Dragão do Mar – foto de 1900

Com o crescimento da luta, Nascimento contribuiu para
o fechamento do porto de Fortaleza, proibindo o embarque de escravos. É atribuída
a ele a frase: “neste porto não se embarca mais escravos”.

Em 1882 a cidade ficou em festa para receber a
visita de José do Patrocínio, em campanha nacional pela abolição. Na chegada,
os pescadores tendo a frente Dragão do Mar, abriram as velas, num espetáculo
que emocionou o visitante. No dia 24 de maio do ano seguinte, participou da
sessão solene no plenário da Assembleia, quando Fortaleza libertou os escravos.
O seu retrato está também no quadro de José Irineu de Sousa, que perpetuou a
solenidade. Em 25 de março de 1884, a grande vitória: A libertação dos escravos
em toda a província.
dragao+001 Dragão do Mar - o jangadeiro da campanha abolicionista

 Dragão do Mar dirigiu-se então à Corte Imperial no
antigo barco negreiro Espírito Santo, levando a jangada que pela primeira vez
impediu o tráfico de escravos no Ceará. A embarcação doada ao Museu Nacional
desapareceu misteriosamente devido a pressões das autoridades que consideravam
uma afronta uma entidade do governo manter um símbolo de luta e agitação. 

No dia
3 de março de 1889 foi reconduzido ao caro de prático, do qual tinha sido
demitido por sua participação no movimento abolicionista. Em 1890 recebeu a
patente de Major-Ajudante de Ordens do Secretário Geral do Comando Superior da
Guarda Nacional do Estado do Ceará.

O tempo passou e a saga do Dragão do Mar começou a
ser esquecida pela população, influenciada pelos costumes europeus e
preconceitos raciais. Decepcionado, longe do seu grande amigo senador João
Cordeiro, Nascimento conhece o menosprezo, a
ponto do Barão de Studart, no seu famoso Dicionário Bibliográfico, não
tomar conhecimento da vida do praieiro, símbolo de um povo que lutou pela
abolição da escravatura.

Extraído do livro
A
História do Ceará passa por esta rua

De
Rogaciano Leite Filho  

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